Pandemia impede realização presencial das audiências de custódia em Pernambuco

Em 04/05/2021
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“Tortura não se vê pela TV”. Esse foi o lema defendido pelas entidades que participaram do debate da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, nesta terça, sobre a realização das audiências de custódia por videoconferência. Esse foi o modelo adotado pelo Poder Judiciário de Pernambuco, permitido por resolução do Conselho Nacional de Justiça, em virtude da pandemia do coronavírus. As audiências de custódia são realizadas para que o preso em flagrante possa ser ouvido por um juiz que avalie eventuais ilegalidades na prisão.

Os participantes do encontro foram unânimes em defender que elas aconteçam de forma presencial. A pesquisadora do Grupo Asa Branca de Criminologia, Manuela Abath, explica os motivos. “Há muitas décadas que se tem falado sobre o ambiente policial ser um ambiente hostil. Saber que esse é um ambiente em que as pessoas não vão se sentir necessariamente à vontade em falar sobre violências sobre as quais tenham passado. Câmeras de 360 graus ou multicameras, ou seja, a multiplicidade delas, não é suficiente porque a gente não sabe o que acontece antes e depois desse contato virtualizado.”

O perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Gustavo Magnata, reforçou o posicionamento. “Faz com que a vítima não consiga depor, faz com que funcionários, que poderiam depor, não se sintam tão à vontade, ou não se sintam encorajados a depor. É colocar em xeque também a possibilidade da denúncia aparecer.”

Representantes da Defensoria Pública e do Ministério Público também cobraram o retorno presencial. O membro do MPPE, Rinaldo Jorge, citou o exemplo de outros locais que optaram por seguir modelos diferentes. “Mesmo a Bahia tendo um número enorme de casos de Covid também, no estado da Bahia foi mantido as audiências de custódia presenciais, sem prejuízo algum.”

Até na própria Polícia Civil, o entendimento é de que as delegacias não são locais adequados, como explica o delegado Francisco Rodrigues. “Primeiro por uma questão de segurança, tanto do preso, quanto dos próprios policiais. Aqui em Pernambuco, como todos sabem, a estrutura das unidades policiais é extremamente precária, no Interior do estado principalmente, onde delegacias são instaladas em casas residenciais alugadas, na maioria das localidades. ”

A integrante do GT Desencarcera, Juliana Trevas, argumentou que outras atividades menos essenciais já retornaram normalmente, seguindo os devidos protocolos. Já a integrante da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, Débora Aguiar, pediu condições dignas para os presos e presas, que vão além das audiências presenciais. Na mesma linha, a representante da Articulação Negra de Pernambuco, Ingrid Farias, criticou o tratamento diferenciado que pessoas pretas e pobres recebem no Judiciário.

Em resposta aos questionamentos, o juiz coordenador da Central de Custódia do Recife, José Carlos Vasconcelos Filho, explicou que as denúncias seguem ocorrendo nas audiências virtuais. “Para a minha surpresa, o relato de violência, mesmo acontecendo a audiência de custódia numa sala com todo o protocolo do artigo 19 da resolução do CNJ, é que os presos continuaram mencionando os casos em que eles foram espancados, em que colocaram saco. Sei que não é o ideal, mas essas são as impressões dessa pandemia que nos pegou e a gente teve que implementar dessa forma.”

O magistrado se comprometeu a levar o pleito para a discussão com a presidência do Tribunal de Justiça e disse que depende do Poder Executivo para retomar as audiências presenciais. O deputado João Paulo, do PCdoB, lamentou a ausência de representantes do Governo do Estado e sugeriu que o relatório fosse encaminhado ao governador e aos secretários envolvidos. Robeyonce Lima, uma das representantes do mandato coletivo Juntas, do PSOL, esclareceu que a ideia não é negligenciar a pandemia, mas assegurar um acolhimento digno aos presos e presas. Os parlamentares afirmaram que vão seguir acompanhando o caso.